Nascimentos no Brasil
Tende-se a pensar que a data de nascimento de um indivíduo é algo completamente aleatório. Afinal, ninguém escolhe precisamente quando vai nascer. Alguns atribuem significado profundo à data de nascimento: a depender do horário, dia e mês a pessoa terá tendências a ser mais de uma forma do que outra. Nascer no mês impróprio pode ser um mal negócio para a vida toda.
Já na cultura popular é comum especular que os nascimentos seguem alguns ciclos da vida. As estações do ano regulam as safras de comida, a temperatura, a disposição para sair de casa e, muito acreditam, o desejo sexual. Os feriados, as festividades, o carnaval, as vitórias no campeonato de futebol, tudo isso - imagina-se - tem algum efeito sobre a natalidade no país, nove meses no futuro.
No campo da economia, pode-se especular que os ciclos de crescimento econômico e, sobretudo, os ciclos de desemprego devem ter algum efeito sobre os nascimentos.
O mês de nascimento
Usando dados do IBGE, mais especificamente das Estatísticas do Registro Civil, pode-se calcular o número total de nascimentos em cada mês desde 2003. Grosso modo, nos últimos vinte anos, março, abril e maio foram os três meses com maior número de nascimentos (27,23%). Já os meses do final do ano, outubro, novembro e dezembro foram os meses com menor número de nascimentos (22,95%).
Isto significa que o maior número de concepções ocorreu no inverno, nos meses de julho a agosto. Já os meses quentes de janeiro a março tiveram os menores números de concepções. Este fato vai diretamente contra a popular percepção de que épocas quentes favorecem o número de nascimentos.
Olhando para as tendências de médio e longo prazo, vê-se que o número de nascimentos no Brasil permaneceu relativamente estável entre 2000 e 2015, variando de 230 mil a 242 mil nascimentos por mês. A quebra na série coincide com a recessão de 2015-17, período de alta inflação e desemprego recorde: de fato, a série sai do seu pico, acima de 265 mil nascimentos para o seu ponto mais baixo, abaixo de 200 mil nascimentos, neste período.
O fim da recessão não significou, contudo, um retorno à antiga tendência. Desde 2018-19, o número de nascidos vivos no Brasil segue em tendência de queda.
Regiões
A tendência geral, observada no Brasil, repete-se em quase todas as grandes regiões. Apenas a região Norte parece escapar da tendência de queda, ainda que os valores correntes estejam levemente abaixo dos valores observados em 2013-14.
Visualmente, o padrão sazonal dos nascimentos nas regiões é muito similar ao padrão geral brasileiro. Novamente, a região norte é uma exceção, já que a proporção de nascimentos em cada mês é muito homogênea.
Sazonalidade
E, afinal, há sazonalidade nos nascimentos no Brasil? Visualmente, parece haver fortes indícios de sazonalidade. Uma maneira simples de simultaneamente testar e mensurar o efeito sazonal é via uma regressão linear. Supondo um modelo simples da forma1:
\[ B_{t} = T_{t}S_{t}E_{t} \]
onde \(B_{t}\) é o número ajustado de nascimentos mensais2, \(T_{t}\) é o termo de tendência, \(S_{t}\) é o termo sazonal e \(E_{t}\) é o termo de resíduo. Aplicando logaritmo natural, temos um modelo aditivo. Para modelar a tendência vamos utilizar o mesmo filtro linear utilizado nos gráficos acima, isto é, uma média móvel 2x12 centrada3. Esta estimativa é descontada da série original para chegar num valor sem tendência. Por fim, vamos supor dummies sazonais da forma:
\[ b_{t} = \alpha_{0} + \sum_{i = 2}^{12}\beta_{i}\delta_{i} + u_{t} \]
onde \(b_{t}\) agora é o logartimo natural da série de nascimentos livre de tendência. O parâmetro \(\alpha_{0}\) é uma constante e \(\delta_{i}\) é uma variável binária que indica com valor unitário se a observação pertence ao mês \(i\).
A tabela abaixo mostra o resultado da regressão. Assim, como se viu nos gráficos, os três meses do final do ano tem um efeito negativo enquanto os meses de março a maio têm um efeito positivo sobre o número de nascimentos. Além destes, fevereiro e junho aparecem com sinal positivo, mas tem um efeito menor. Agosto também tem um efeito negativo, porém com magnitude inferior aos meses do final do ano.
Code
library(gtsummary)
library(gt)
library(gtExtras)
<- tbl_brazil |>
tbl_brazil mutate(
days = lubridate::days_in_month(date),
births_adjusted = total * (365/12) / days
)
<- ts(log(tbl_brazil$births_adjusted), start = c(2003, 1), frequency = 12)
nasc
<- stats::filter(nasc, filter = rep(1/12, 12), method = "convolution")
mm <- stats::filter(mm, filter = c(1/2, 1/2), method = "convolution")
mm
<- nasc - mm
nasc_mm
<- tslm(nasc_mm ~ season)
fit_lm
<-
tab_reg tbl_regression(
fit_lm,estimate_fun = ~style_sigfig(.x, digits = 3)
%>%
) bold_labels() %>%
bold_p() %>%
as_gt() %>%
gt_theme_538()
tab_reg
Characteristic | Beta | 95% CI1 | p-value |
---|---|---|---|
season | |||
1 | — | — | |
2 | 0.048 | <0.001 | |
3 | 0.089 | <0.001 | |
4 | 0.082 | <0.001 | |
5 | 0.073 | <0.001 | |
6 | 0.037 | <0.001 | |
7 | 0.002 | 0.7 | |
8 | -0.031 | <0.001 | |
9 | -0.002 | 0.7 | |
10 | -0.069 | <0.001 | |
11 | -0.095 | <0.001 | |
12 | -0.101 | <0.001 | |
1 CI = Confidence Interval |
Visualmente, o resultado da regressão acima pode ser visto no painel abaixo. Note que o padrão sazonal é constante: começa o ano subindo, atinge um pico e aí começa a cair.
O painel abaixo mostra a decomposição completa da série de nascimentos.
Um exercício semelhante poderia ser feito analisando cada estado individualmente. Os dados de nascimentos por UF funcionam como um painel longitudinal e pode-se fazer um regressão com efeitos fixos. Por completude, faço este exercício, mas como se vê no gráfico final, o padrão sazonal é muito similar. Em verdade, os efeitos de UF parecem ter ligeiramente intensificado o efeito sazonal.
Footnotes
Este é um modelo bastente convencional em séries de tempo, também conhecido, modelo “clássico” ou “decomposição clássica”. Veja, por exemplo Morettin, P & Toloi, C. Análise de Séries Temporais (2006).↩︎
Becker (1989) sugere corrigir o número de nascimentos pelo número de dias no mês da seguinte maneira: \(\tilde{x}_{t} = x_{t}\frac{365}{12z}\) onde \(z\) é o número de dias do mês.↩︎
Isto é equivalente a fazer primeiro uma média móvel de dozes meses e depois uma média móvel de dois meses. Na prática, todos os termos têm peso 1/12, exceto pelo primeiro e último que têm peso 1/24.↩︎