Carros e Renda
Este post investiga a relação entre a “demanda por automóveis”, entendida simplesmente como a posse (ou não) de um automóvel. Usando dados da Pesquisa Origem e Destino do Metrô de 2017, estima-se um modelo de escolha discreta para investigar o efeito da renda domiciliar sobre a escolha de ter um carro. Encontrou-se um efeito forte e significante da renda sobre a “demanda” por carros. Idade, educação e filhos também são fatores importantes e que aumentam a probabilidade do domicílio ter um automóvel. O único fator encontrado que reduz a probabilidade do domicílio ter um automóvel é ele ser chefiado por uma mulher.
Vale notar que não se pode falar propriamente em “demanda” por automóveis já que temos somente dados de um único momento no tempo. Eventualmente, quando os dados da POD 2022 forem liberados, será possível construir uma curva de demanda por automóveis.
São Paulo: fatos gerais
A Região Metropolitana de São Paulo abriga aproximadamente 20 milhões de pessoas e gera mais de 40 milhões de viagens todos os dias. Segundo Relatório do Metrô as viagens na Região Metropolitana de São Paulo dividem-se da seguinte maneira: um terço das viagens é feita por modos não-motorizados (a pé ou de bicicleta), enquanto dois terços das viagens é feito por modos motorizados. Neste último grupo, 55% das viagens são feitas com modais coletivos (ônibus, metrô, trem) e 45% das viagens são feitas com modais individuais (carro, táxi, moto). Ao todo, as viagens em automóveis particulares (excluindo táxis) representam cerca de 27% de todas as viagens diárias; ou seja, cerca de 1 em cada 4 viagens na RMSP é feita com carro particular.
O diagrama abaixo esquematiza todas as viagens diárias realizadas na RMSP. Vale notar que os dados são de 2017, então muitas das estações das linhas 4-amarela e 5-coral ainda estavam sob construção. Similarmente, as linhas 13-Jade, 15-Prata (monotrilho) ainda não estavam operando. Por simplicidade considerei o universo de todas as viagens: ainda que os deslocamentos casa-trabalho componham a maior parte deste conjunto, inclui-se todo tipo de deslocamento.
Carros por domicílio
Pouco mais da metade dos domicílios na RMSP possui algum automóvel: 53% dos domicílios possui ao menos um carro, enquanto 47% dos domicílios não possui carro particular. Mais especificamente, 43,8% possui somente um carro. Domicílios com 2 automóveis são apenas 8% do total e domicílios com 3 automóveis ou mais são pouco mais de 1% do total.
Na média da RMSP, há 0,635 carros por domicílios. Na capital, o número é similar, 0,6. Olhando para os distritos de São Paulo, vê-se que os menos “carro-dependentes” são distritos centrais como República e Sé. Distritos de baixa renda média como Parelheiros e Cidade Tiradentes também tem uma baixa razão de carros por domicílio.
Os distritos mais carro-dependentes têm rendas elevadas e estão dentro ou próximos do Centro Expandido da cidade. É curioso notar que bairros verticalizados como Moema e Morumbi aparecem junto com o distrito de Alto de Pinheiros que é majoritariamente composto por residências horizontais. Isto sugere que a verticalização não acompanha menor dependência do automóvel particular.
O mapa abaixo mostra a taxa de motorização, a razão de carros por domicílios, nos distritos da RMSP. Vê-se um padrão espacial onde as regiões com maiores taxas de motorização concentram-se no quadrante sudoeste do Centro Expandido da capital. No começo da zona oeste, na região do Tatuapé, também vê-se taxas mais elevadas. Fora da capital, vale notar que a cidade de Santana de Parnaíba tem elevada taxa de motorização, comparável aos distritos mais carro-dependentes de São Paulo.
O share de domicílios sem carro segue um padrão espacial similar. O mapa detalha as zonas OD da cidade de São Paulo. Em outro post, discuti a distribuição desta métrica na cidade.
Carros por domicílio e renda
A demanda por automóveis tende a aumentar junto com a renda das famílias. Mesmo famílias que moram em regiões centrais, próximas de polos de empregos e com boa oferta de infraestrutura urbana, preferem ter mais automóveis. O gráfico abaixo mostra a relação entre a renda domiciliar média e a razão de carros por domicílio; os dados são agregados por zona OD. A linha de tendência mostra uma relação quadrática ponderada (usando a população total de cada zona como peso).
É interessante notar as zonas que “fogem” da tendência esperada. A região do Morumbi, por exemplo, tem renda similar a do Paraíso, mas tem uma taxa de motorização consideravelmente melhor. Possivelmente, isto reflete a infraestrutura de cada bairro: o Morumbi não tem acesso fácil nem a trem e nem a metrô; já o bairro do Paraíso tem acesso fácil a duas linhas de metrô, ciclovias e corredores de ônibus.
RMSP e Centro Expandido
A demanda por automóveis também parece variar por região. O gráfico abaixo agrupa as zonas por regiões: Centro Expandido, São Paulo (capital) e RMSP (resto da região metropolitana). Nota-se que as zonas dentro do CE da capital tem uma tendência a ter menos carros do que regiões de renda equivalente na RMSP.
Note que agora os gráficos agora mostram a renda domiciliar per capita em escala logarítmica e usa-se uma tendência linear. A regressão continua sendo ponderada pela população total de cada zona, mas todos os círculos no painel da direita tem igual tamanho para facilitar a visualização dos dados.
Regressão linear
Indo um pouco mais a fundo, pode-se fazer uma regressão linear para melhor avaliar a diferença entre os grupos. Visualmente, as zonas dentro do CE parecem ter uma proporção menor de carros por habitante do que as zonas na RMSP, relativamente à renda familiar. A tabela abaixo mostra o resultado da regressão, onde adiciona-se também algumas variáveis auxiliares como a proporção de adultos (18-64 anos) que habita na zona e a densidade populacional da zona.
A relação de interesse aparece nas duas últimas linhas que indica a relação entre a renda domiciliar per capita e a localização (estrato) para a proporção de carros por domicílio. Tanto regiões dentro da capital como dentro do CE apresentam uma menor proporção de carros por domicílios, relativamente às zonas da RMSP.
Characteristic | Beta | 95% CI1 | p-value |
---|---|---|---|
Prop. Adultos (%) | -0.00298 | -0.00762, 0.00166 | 0.2 |
Densidade Populacional | -0.00058 | -0.00076, -0.00040 | <0.001 |
Prop Ensino Superior (%) | 0.00026 | -0.00229, 0.00280 | 0.8 |
Renda Domiciliar per capita (log) | 0.54064 | 0.45712, 0.62415 | <0.001 |
Estrato | |||
RMSP | — | — | |
São Paulo | 0.49744 | -0.07001, 1.06489 | 0.086 |
Centro Expandido | 0.55672 | -0.34798, 1.46142 | 0.2 |
Renda Domiciliar per capita (log) * Estrato | |||
Renda Domiciliar per capita (log) * São Paulo | -0.07532 | -0.15368, 0.00303 | 0.060 |
Renda Domiciliar per capita (log) * Centro Expandido | -0.10456 | -0.22138, 0.01227 | 0.079 |
R² | 0.664 | ||
Adjusted R² | 0.658 | ||
AIC | -464 | ||
Sigma | 25.1 | ||
Log-likelihood | 242 | ||
1 CI = Confidence Interval |
Visualmente, pode-se verificar isto no gráfico abaixo que mostra a relação entre a renda domiciliar per capita e a “demanda por automóveis” em cada um dos estratos geográficos.
Zonas
O mapa abaixo apresenta visualmente a relação entre renda e a taxa de automóveis. A classificação das zonas é simples e segue o algoritmo de Jenks sem considerar explicitamente a dependência espacial entre as zonas. Ainda assim, é possível distinguir entre as regiões. A região da Paraíso, por exemplo, é de renda alta e taxa de motorização média; Pinheiros é de renda média e taxa de motorização média; e Jardim Europa é de renda alta e taxa alta. Algumas regiões do Centro-Sul como Brooklin e Campo Belo são médio-alto (renda média e taxa alta). O centro antigo da cidade é baixo-baixo, assim como boa parte da periferia da cidade.